Uma crônica
Neste agora ela é mais esquecimento
que lembranças. Do que se lembra? Do que se esquece? A sensação regente é real,
como o vento que entra pela janela aberta. É como uma notícia que chega e conta
que ela se esquece de expressões e palavras de sua infância, regionais, há
pouco frescas como fruta ao ponto de comer em pé de árvore, ao alcance. O
esquecimento a esvazia. O silêncio traz o oco fundo. Escorrega em paredes duras
e arredondadas, e as abençoa, sentindo-se abençoada. Não ser o que foi a desconcerta e a
desconhece de si e dos outros. Vagas
nostálgicas batem nela e a arrancam da falésia onde se agarrava. Em seu corpo nascem guelras e barbatanas. Em
seus sonhos cobras deixam para trás as velhas peles, e um pardal se incendeia e
renasce. Estranha suas filhas, três
mulheres desconhecidas como ela mesma, ou seja, como ela-outra.
Três vezes ao dia os ponteiros do
relógio são uma linha reta tendendo ao infinito, apenas por um instante.