O artista é um pensador, e precisa se transcender, ir além dele mesmo, encontrar interlocutores. Assim, espaços de publicações são fundamentais.
1 – O que significa a literatura para você?
EA _ Para mim a literatura significa vida, fonte do conhecimento (inesgotável!) da complexidade de ser humana. O caminho do escritor é em direção ao outro, o leitor. E paradoxalmente, se dirigindo ao outro, o escritor realiza a jornada do auto-conhecimento, que só termina com sua morte. A aldeia de um poeta me conduz à minha aldeia natal, mesmo que a dele esteja na Rússia - Almas Mortas, de Gogol, por exemplo, e a minha no Triângulo Mineiro. A aldeia natal do escritor, no entanto, não é uma localização geográfica, mas seu mundo interior em permanente construção.
2 – Qual foi o primeiro livro que você lembra de ter lido? Quem lhe deu este livro, onde você o pegou?
EA _ Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Peguei o livro na biblioteca de meu pai. Antes de ler já escutava histórias. A oralidade é a língua materna, o arcaico onde começam tanto o escritor como o leitor, aquilo que alimenta a escritura, a leitura. A pátria de um escritor é sua língua materna, e a literatura, a língua materna que se faz universal, e está aí para todos. Acho que antes de ler meu primeiro livro já havia sido capturada pela literatura.
3 – Qual a grande meta para essa vida e o que você espera de sua obra?
EA _ Minha meta é estar na arte e na vida sem garantias, em estado de risco, trocando referências pré-existentes pelo que não sei, nem está pronto. Durante o processo criativo os termos “escritor” e “obra” se distinguem, porém não se separam. Para o escritor as referências brotam no processo de sua escrita. O processo criativo foi o tema de minha pesquisa de doutorado. E continua o tema de minha vida. O que espero de minha obra é que ela possa revelar aos leitores que precisamos da ausência de garantias na arte e na vida, para que cada um de nós possa criar sua parcela de mundo.
4 – Quais os três melhores livros que você leu, e qual levaria para uma ilha deserta?
EA _ Levaria Água Viva, de Clarice Lispector, onde o estado de risco e a ausência de garantias estão vivos, no tempo-instante da duração. Para Clarice “sobrenatural é a vida”. Levaria Mil e Uma Noites porque ainda hoje, aquelas histórias criam o meu imaginário. E Grandes Sertões, Veredas de João Guimarães Rosa, porque me coloca na dimensão do sagrado.
5 – O melhor início de livro que leu e gostaria de tê-lo escrito pessoalmente?
EA _ Li tantos livros de ótimos inícios! Cito um autor contemporâneo, Mia Couto:
6 _ O melhor final de livro que você leu e gostaria de tê-lo escrito pessoalmente?
EA _ O livro acima. Ao final da narrativa Sinódio não sai da casa-ventre, e pelo contrário, entra ainda mais. Há livros dos quais não saímos, e permanecem conosco pela vida.
7 – Seus autores – masculino e feminino favoritos? Por que?
EA _ Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Tão diferentes entre si, em uma e no outro encontro o sabor, a textura, a presença do silêncio e a ausência do tempo. Nas entrelinhas de CL e GR, a voz humana primordial ressoa como uma trovoada de fim ou princípio de mundo.
8 - A quem está devendo uma dedicatória?
EA _ Ao meu avô Moisés, com quem sonhava que seria uma escritora.
9 – Um livro, conto, relato, que fale de São Paulo e que você recomendaria?
EA_ Cão Chupando Manga, de Joyce Cavalcante: um nordestino chega para conquistar a cidade de São Paulo, personagem mítico que cruza conosco nas ruas da cidade, e nos revela que as epopéias estão vivas e presentes entre nós.
10 – A quem você daria o prêmio Nobel de Literatura?
EA_ Para uma mulher, para uma latina, por que não para uma brasileira? Nélida Piñon, Ligia Fagundes Telles. Gostaria que Rachel de Queiroz tivesse ganhado o Nobel quando ainda vivia.
Eliane Accioly é escritora, psicanalista e doutora em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autora de Corpo-de-sonho arte e psicanálise e História de Ventania entre outros livros e artigos. Para Accioly, entre os ofícios de escritora, terapeuta e pesquisadora as fronteiras são permeáveis e vivas, um campo se nutre e é afetado pelos outros todo o tempo.
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