domingo, 13 de setembro de 2009

A pequena contadora de histórias

Me chamo Carolina, tenho oito anos, e gosto de contar para minhas amigas de minhas duas avós.
Vovó Eliane, mãe de minha mãe é mineira e artística. O porta-malas de seu carro vive cheio de sacolas ecológicas. Sei o que são as sacolas porque pergunto tudo o que quero saber, e vovó me responde. Ela faz compras no supermercado com sacolas ecológicas, que ela mesma corta e costura. "Os sacos de plástico poluem nosso planeta", vovó diz. Outro dia ela me deu uma sacola de chita estampada com araras vermelhas e azuis, que uso quando vou à praia. As sacolas de vovó têm muitos usos, você que escolhe.
A oma Gisela, mãe de papai, me educa. Me ensina comer com boca fechada e segurar o garfo com o dedo fura-bolo e o dedo mata-piolho, apoiados no dedo pai-de-todos. A vovó Eliane dá esses nomes engraçados para os dedos, no lugar de dizer o indicador, o polegar e...bom, o pai-de-todos. Como é mesmo o nome careta para o dedo do meio?
Vovó é engraçada e ri muito. Tudo que eu faço é báááááárbaro! E acabo achando bááárbaros meus desenhos e idéias artísticas. Quero ser ilustradora.
Oma sabe muito de educação, mas para andar de balão e saltar de para-queda não precisa ser bem educada, acho que precisa é de coragem. E é pintora de quadros, nas horas vagas.
Vovó me diz para quebrar, preciso conhecer as regras. E me conta que a gente aprende a quebrar pedras e regras, senão a vida fica sem graça. Vovó Eliane é poeta, brinca com as palavras como brincava com os bichos e as crianças quando era pequena. Foi a menina arteira que subia nos muros e procurava cavernas. Agora, quando me vê encima de um muro, tem medo que me machuque. "Como é que pode?" Pergunto com as mãos na cintura . Mamãe, então, recorda para vovó que ela ensinou as três filhas andarem encima de muros. Vovó diz:
_ Acho que estou ficando velha, tenho medo de osso partido.
Vovó contou que não anda de balão nem salta de para-queda com oma, porque morre de
medo de osso quebrado. O que vovó quebra são as regras gramaticais, com seus poemas. Pedras nunca vi vovó quebrando.
Quando mamãe e papai namoravam, achavam vovó e oma tão diferentes, que não tinham esperança de ficarem amigas. Achavam isso antes mesmo das duas se conhecerem. Conformados, desistiram da futura amizade delas.
_ Seria tão bom se não fosse impossível, vaticinavam. E avisaram suas mães da triste situação:
_ Vocês não vão se dar bem, que pena!
Vaticinar é uma previsão de futuro. Vovó Eliane me conta das palavras, como antes o avô dela lhe contava).
Papai e mamãe ficaram noivos, e meus quatro avós se conheceram. Tenho dois avós, vovô e opa. Depois da festa do noivado os quatro saíram para tomar alguma coisa, e até hoje nunca mais pararam de tomar alguma coisa juntos. Vovó e oma inventaram que são amigas desde a infância. E gostam de contar que voam juntas à noite, em suas vassouras.
Outro dia perguntei a vovó:
_ Com um gato preto?
Vovó respondeu:
_Não precisa ser gato, pode ser cachorro.
Então imaginei os três cachorros de oma voando com elas, em fila, um atrás do outro, soltando puns para voar mais rápido.
Vovó não tem bichos em casa, e voa com a Chiquinha, minha cadela. E com os gatos da Amanda, minha prima caçula que mora em Madrid. Amanda tem duas gatas, Flora, a angorá, e Olímpia, que é filhote e preta.
Essas são minhas avós.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Carta para quem chegar ao blog, e aos "seguidores"

Quantas cartas escrevi, quantas recebi. Uma delícia abrir um envelope. Cartas de amigos, de tios e tias, primos e primas, amigos, cartas de amor. Ah, que delicia as cartas de amor. Queimei cartas de amor, acreditam? Para não deixar pegadas, pistas... Para ser invisível!!!!!!!! Que horror queimar cartas de amor, e mais ainda, ser invisível... A gente acaba não se enxergando, onde é mesmo que estou?! Quem sou?! Credo!!!!!!!!! Só não me arrependo de ter queimado cartas de amor porque as lembranças dos amores permanecem naquele lugar misterioso que chamamos memória. Agradeço às memórias. Um templo que frequento. O templo de minhas memórias.

Sou do tempo das cartas que chegavam pelo correio, dos selos preciosos, coloridos, artísticos. Das letras ímpares. Cada qual com seu traço, impressões digitais. A letra e a voz do autor que podia ouvir lendo a carta. Os dois rios paralelos, o desenho gráfico da letra, e a música da voz, os dois rios se juntavam, se juntariam ainda, se recebesse uma carta.

Escrevia para minhas avós, que moravam em Araguari, Minas Gerais, quando eu estava no internato, no Colégio Assumpção, em São Paulo. Cartas deliciosas, nas quais contava... bem, contava o que eu podia... Uma de minhas avós me disse um dia que adorava receber minhas cartas... nelas eu sempre estava alegre... Pois bem, eu "mentia" (nas cartas me dou conta, eu era um simulacro de mim), pois nem sempre estava alegre, e muitas vezes, no colégio, chorava. De saudades, de prisão (pois num colégio interna, estava mesmo presa...), por ser adolescente, por me sentir perdida num mundo que não conhecia, pois não conhecia nem eu mesma. E ainda hoje estou nas bordas de me conhecer, embora mais a vontade em meu corpo e em minha vida.

Agora escrevo a vocês.

Todos os dias agradeço por mais um dia. Agradeço o sandwiche de pão de centeio com queijo derretido e salaminho recém partido, que acabei de devorar. Com um copo de vinho tinto. Agradeço pela companhia de Josino, meu companheiro. Agradeço a alegria de estar aqui escrevendo, o riso que vem e solta os músculos de meu rosto. Agradeço por pensar, sentir e me emocionar, pelas palavras fluirem como agora. Agradeço estar com vocês aqui e na vida.

Que mistério tudo isso. A mesa, o computador, a tela, as letras, o sangue que flui em mim e me aquece. O xale verde ridículo, meu companheiro nas noites de frio. Meu objeto transicional, como o coelhinho do bebê. Que maravilha dizer bobagens, como nesse momento.

Um grande beijo e muita gradidão,

Eliane

sábado, 25 de julho de 2009

O fim dos ciclos

Durmo
e a tartaruga
se arrasta

Acordo
e antes do esquecimento
o sonho abre

teias oníricas
resistêcia viva
atravessada

A tartaruga marinha
verde no verde mar
mostra a não pressa

O futuro e hoje
não ter de chegar
hoje e o fim dos ciclos

Agora viver
a cada expiração
o que não controlo

A morte
eminência parda
o animal ao qual me alio

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A vida nas entrelinhas

“A elegância do ouriço”
De Muriel Barbery
Companhia das Letras, São Paulo, 2008.

Resenha de Eliane Accioly



Por que o título “A elegância do ouriço?” A autora não menciona, as entrelinhas do romance sugerem: o ouriço é um pequeno animal fechado em uma couraça, cujos espinhos defendem o tenro e delicado ser interior que a habita.

O n° 7 da rua Grenelle, em Paris, é um “belo palacete com pátio de jardim interno, dividido em oito apartamentos de alto luxo, todos habitados, todos gigantescos”, todos habitados por pessoas ricas, em geral esnobes e pomposas.

Renée, a zeladora do prédio, filha de camponeses, se esconde por trás de uma aparência rude, estereótipo de seu cargo, sendo, entretanto, uma mulher sensível, inteligente, autodidata, preparada e culta, com um humor cético e amargo. Esse é seu segredo. Conhece cada um dos moradores, passando sobre eles seu crivo e raio x, ávida de conhecimento do ser humano. Entrou como zeladora com seu marido. Ficou viúva e devido a sua competência permaneceu cargo, importante para ela, afinal _ “sou viúva, baixinha, feia, gordinha, tenho calos nos pés (...) sempre fui pobre, discreta e insignificante”.

Uma das moradoras Paloma, 12 anos. Considera o mundo adulto uma falsidade, pelo que observa dos pais e da irmã mais velha. E também dos amigos dos pais. Acredita que os adultos que conhece estão num “aquário”. Para escapar do aquário da mediocridade humana planeja morrer aos 13 anos. Mas, tem esperança de que seja possível mudar de idéia, ou de rumo, pois não quer morrer de graça, pelo menos a morte precisa de um sentido. Escreve dois diários filosóficos, enquanto procura o que possa desviá-la de dois destinos “compulsórios”: o primeiro ir parar no aquário, o segundo, seu suicídio. Como Renée, Paloma também se esconde, não deixando que entrevejam sua inteligência excepcional. A jovem se disfarça em estereótipos, observando e estudando trabalhosamente os hábitos de jovens de sua idade. Para ela a vida é terrivelmente previsível, e ela se enche de tédio.

Renée tem uma amiga portuguesa que considera uma rainha, a Manoela, faxineira em alguns apartamentos do prédio. Manuela cozinha como uma deusa, além de outros atributos. É divertida, uma aristocrata nata, de caráter nobre, e tem a propriedade de encontrar soluções inesperadas.

Kakuro Ozu chega com a morte de um dos moradores. O novo proprietário “alia um entusiasmo e candura juvenis a uma atenção e uma bondade de grande sábio”. Kakuro, atraente e excêntrico para os padrões normativos estéreis dos moradores conservadores do prédio, seguro de si não precisa se esconder. Assim como também a Manuela.

Renée e Paloma têm em comum “a elegância do ouriço”, escondem o melhor de si para se preservar da banalidade do mundo, não se revelam em sua delicadeza a quase ninguém.

Têm em comum a falta de fé num sentido maior (ou religioso) da vida. A arte em suas diferentes formas _ a pintura, a música, a literatura, o teatro, o cinema é para ambas o baluarte, o alimento, e também o sentido maior, o lugar onde se encontram com o sagrado, que no pensamento e palavras delas seria o sublime. É desde o olhar estético que Paloma se indaga, talvez a vida tenha um sentido, ela poderia, então, crescer e na entrada no mundo adulto, ir para a vida, e não para o aquário, assim como a vida, quem sabe, deixaria de ser previsível.

Aqueles que no livro compõem uma tribo especial, vão se encontrar, se reconhecer, apoiar e resgatar uns aos outros.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

HAICAI

segunda feira
manhã chuvosa:
cinzas líquidas

***

monday
rainy morning:
liquid ashes

quarta-feira, 25 de março de 2009

sexta-feira, 20 de março de 2009




sacolas ecológicas,
por um verde sustentável

quinta-feira, 5 de março de 2009



Rodopiando *
atravessadora anônima
___________________
*
Spinning
nameless crossover

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009


ARACNÍDIA




para
Maria José Giglio
e todo um bando





1

caminha entre as barras
de um sonho, universo
úmido e rarefeito

duas habitam seu corpo:
Ariadne, a fiandeira,
e a Viúva Negra, amante
do Minotauro

a Seda e o Veneno
fiam e desfiam os labirintos
da senhora dos sentidos ciganos

com os nômades, descansa
na cidade de Ventania,
múltipla e si-mesma

2

esquálidos heróis
pálidas donzelas
poetas músicos ladrões
alguns dos que a encorpam

tropa trota estradas
tropeiros dos trens noturnos

a vida trama tramóias
quando certezas se traça

3

atrás de histórias sem fim
ata-me Aracnídea
ânsias de matá-la
e ela se rindo de mim

4

a Quadrilha Aracnídia sitia Àssombradado
e outra horda encontra:
Biutes, Uilcon Pereira, Jeane Lobo
Dóris e Eliane Accioly, Olga do Lago,
Miguel Anjo, Semíramis
Silvana Cappanari, Padre Nilo,
Evaristo, Evarista, Tânia Diniz,
Alicia Mello, Siloé Neves,
Rafael Tassinari, Ceres,
Luz e Fé, Silvia Anspach,
Helena Armond, Pascoal Motta,
Doralina Carvalho Rodrigues, Daniel,
Hugo e Efigênia

5

cavalgam zebras roubadas,
abrem caixas de Pandora,
quebram Poemas na Arena

se ajuntem delirantes!
em hordas falanges
quadrilhas e bandos
alcatéias miríades enxames

que é de uma só andorinha?
e gente humana desgarrada?
assunta Aracnídia


Menina nunca posso responder
aos blogs...aos portaes....aos website
simplesmente porque não domino as travas as porteiras as pontes
tudo em códigos! em sígnos
vai daí não poder enviar comentários...
Seu Blog está muito muito muito BOM
Carolinas
brincando "de roda" ...
vê-se o movimento
lê-se o não pensamento
apenas tão vivas as intenções...
Alegria!eu diria...
perdura em quem as viveu na prima/roda....AMEI artista ! amei

HELENA ARMOND

domingo, 22 de fevereiro de 2009
















ESTE LIVRO

Albeniz Clayton

Por favor
Não guarde este livro
Leia-o
Não o guarde com a poeira
Deixe-o respirar
Com o pulmão da vida
Páginas sempre arejadas
Abertas

Que as palavras circulem como o oxigênio
Por dentro dos seres de boa vontade
Leia-o e lance-o à arena dos condenados
Pois somos
Mas que ele não
Morra e entrerrado

É um livro de águas
E como tal necessita correr
Que corra
De mão em mão, de boca em boca,
Matando a sede de quem tem

Fluindo para além do mar
Ondas, páginas
Pra quem possa nadar
Deixe-o selvagem e vagabundo
pelo mundo a perambular
Porque é água limpa
Poesia cristalina
Cada página uma cachoeira
É o que tentei escrever
Um compo d´água, uma tempestade
Deixe que o livro seja

Anjo,
Deixe que este livro seja
De poesia potável
Cada página transparente
profundo arrecife de corais
Cores e palavras
Reflexos de vida

Por favor, deixe-o que viva,
Porque ele está vivo e quer
Fluir
Porque é um rio,
Meu deus

Albeniz Claytondeixou o Brasil e iniciou uma viagem pela Espanha e Marrocos, naturalizando-se espanhol. Frequentou o curso de Filologia Portuguesa na Universidade de Barcelona e recebeu a bolsa Erasmus (200-2001)para estudar Literatura e Tradução na Universidade da Sorbone _ Paris IV. Atualmente vive e trabalha em Londres. O poema se encontra no livro _ Ícaro e Eu



uma paloma

esboço
fio e traço
sombreio e brilho

preto no branco:
uma paloma
em três dimensões

Entrevista publicada na Revista RSVP _ carassinante _ Ed.N° 795.
Joyce Cavalcante conseguiu ali um espaço de publicação para escritoras da REBRA. O artista precisa de interlocutores e espaços de publicação. Buscar esses espaços e parcerias é uma das lutas da REBRA.


1 – O que significa a literatura para você?

EA _ Para mim a literatura significa vida, fonte do conhecimento (inesgotável!) da complexidade de ser humana. O caminho do escritor é em direção ao outro, o leitor. E paradoxalmente, se dirigindo ao outro, o escritor realiza a jornada do auto-conhecimento, que só termina com sua morte. A aldeia de um poeta me conduz à minha aldeia natal, mesmo que a dele esteja na Rússia - Almas Mortas, de Gogol, por exemplo, e a minha no Triângulo Mineiro. A aldeia natal do escritor, no entanto, não é uma localização geográfica, mas seu mundo interior em permanente construção.

2 – Qual foi o primeiro livro que você lembra de ter lido? Quem lhe deu este livro, onde você o pegou?

EA _ Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Peguei o livro na biblioteca de meu pai. Antes de ler já escutava histórias. A oralidade é a língua materna, o arcaico onde começam tanto o escritor como o leitor, aquilo que alimenta a escritura, a leitura. A pátria de um escritor é sua língua materna, e a literatura, a língua materna que se faz universal, e está aí para todos. Acho que antes de ler meu primeiro livro já havia sido capturada pela literatura.

3 – Qual a grande meta para essa vida e o que você espera de sua obra?

EA _ Minha meta é estar na arte e na vida sem garantias, em estado de risco, trocando referências pré-existentes pelo que não sei, nem está pronto. Durante o processo criativo os termos “escritor” e “obra” se distinguem, porém não se separam. Para o escritor as referências brotam no processo de sua escrita. O processo criativo foi o tema de minha pesquisa de doutorado. E continua o tema de minha vida. O que espero de minha obra é que ela possa revelar aos leitores que precisamos da ausência de garantias na arte e na vida, para que cada um de nós possa criar sua parcela de mundo.

4 – Quais os três melhores livros que você leu, e qual levaria para uma ilha deserta?

EA _ Levaria Água Viva, de Clarice Lispector, onde o estado de risco e a ausência de garantias estão vivos, no tempo-instante da duração. Para Clarice “sobrenatural é a vida”. Levaria Mil e Uma Noites porque ainda hoje, aquelas histórias criam o meu imaginário. E Grandes Sertões, Veredas de João Guimarães Rosa, porque me coloca na dimensão do sagrado.

5 – O melhor início de livro que leu e gostaria de tê-lo escrito pessoalmente?

EA _ Li tantos livros de ótimos inícios! Cito um autor contemporâneo, Mia Couto: em Venenos de Deus, remédios do Diabo o médico Sinódio “encolhe-se para vencer a porta, com os respeitos de quem estivesse penetrando num ventre”. Nesse livro o leitor penetra com Sinódio em uma casa-ventre, em Vila Cacimba, na África que, no entanto, não é uma localização geográfica, mas um continente que se situa entre o autor e o leitor. Gostaria de tê-lo escrito pessoalmente.

6 _ O melhor final de livro que você leu e gostaria de tê-lo escrito pessoalmente?

EA _ O livro acima. Ao final da narrativa Sinódio não sai da casa-ventre, e pelo contrário, entra ainda mais. Há livros dos quais não saímos, e permanecem conosco pela vida.

7 – Seus autores – masculino e feminino favoritos? Por que?

EA _ Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Tão diferentes entre si, em uma e no outro encontro o sabor, a textura, a presença do silêncio e a ausência do tempo. Nas entrelinhas de CL e GR, a voz humana primordial ressoa como uma trovoada de fim ou princípio de mundo.

8 - A quem está devendo uma dedicatória?

EA _ Ao meu avô Moisés, com quem sonhava que seria uma escritora.

9 – Um livro, conto, relato, que fale de São Paulo e que você recomendaria?

EA_ Cão Chupando Manga, de Joyce Cavalcante: um nordestino chega para conquistar a cidade de São Paulo, personagem mítico que cruza conosco nas ruas da cidade, e nos revela que as epopéias estão vivas e presentes entre nós.

10 – A quem você daria o prêmio Nobel de Literatura?

EA_ Para uma mulher, para uma latina, por que não para uma brasileira? Nélida Piñon, Ligia Fagundes Telles. Gostaria que Rachel de Queiroz tivesse ganhado o Nobel quando ainda vivia.


Eliane Accioly é escritora, psicanalista e doutora em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autora de Corpo-de-sonho arte e psicanálise e História de Ventania entre outros livros e artigos. Para Accioly, entre os ofícios de escritora, terapeuta e pesquisadora as fronteiras são permeáveis e vivas, um campo se nutre e é afetado pelos outros todo o tempo.

Entrevista publicada na Revista RSVP, carassinante, Ed.N° 795, com a qual Joyce Cavalcante conseguiu parceria. Escritoras da REBRA vêm sendo ali publicadas.
O artista precisa de interlocutores e espaços de publicação sempre serão bem vindos e valorizados. É uma das lutas de nossa presdente.

1 – O que significa a literatura para você?

EA _ Para mim a literatura significa vida, fonte do conhecimento (inesgotável!) da complexidade de ser humana. O caminho do escritor é em direção ao outro, o leitor. E paradoxalmente, se dirigindo ao outro, o escritor realiza a jornada do auto-conhecimento, que só termina com sua morte. A aldeia de um poeta me conduz à minha aldeia natal, mesmo que a dele esteja na Rússia - Almas Mortas, de Gogol, por exemplo, e a minha no Triângulo Mineiro. A aldeia natal do escritor, no entanto, não é uma localização geográfica, mas seu mundo interior em permanente construção.

2 – Qual foi o primeiro livro que você lembra de ter lido? Quem lhe deu este livro, onde você o pegou?

EA _ Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Peguei o livro na biblioteca de meu pai. Antes de ler já escutava histórias. A oralidade é a língua materna, o arcaico onde começam tanto o escritor como o leitor, aquilo que alimenta a escritura, a leitura. A pátria de um escritor é sua língua materna, e a literatura, a língua materna que se faz universal, e está aí para todos. Acho que antes de ler meu primeiro livro já havia sido capturada pela literatura.

3 – Qual a grande meta para essa vida e o que você espera de sua obra?

EA _ Minha meta é estar na arte e na vida sem garantias, em estado de risco, trocando referências pré-existentes pelo que não sei, nem está pronto. Durante o processo criativo os termos “escritor” e “obra” se distinguem, porém não se separam. Para o escritor as referências brotam no processo de sua escrita. O processo criativo foi o tema de minha pesquisa de doutorado. E continua o tema de minha vida. O que espero de minha obra é que ela possa revelar aos leitores que precisamos da ausência de garantias na arte e na vida, para que cada um de nós possa criar sua parcela de mundo.

4 – Quais os três melhores livros que você leu, e qual levaria para uma ilha deserta?

EA _ Levaria Água Viva, de Clarice Lispector, onde o estado de risco e a ausência de garantias estão vivos, no tempo-instante da duração. Para Clarice “sobrenatural é a vida”. Levaria Mil e Uma Noites porque ainda hoje, aquelas histórias criam o meu imaginário. E Grandes Sertões, Veredas de João Guimarães Rosa, porque me coloca na dimensão do sagrado.

5 – O melhor início de livro que leu e gostaria de tê-lo escrito pessoalmente?

EA _ Li tantos livros de ótimos inícios! Cito um autor contemporâneo, Mia Couto: em Venenos de Deus, remédios do Diabo o médico Sinódio “encolhe-se para vencer a porta, com os respeitos de quem estivesse penetrando num ventre”. Nesse livro o leitor penetra com Sinódio em uma casa-ventre, em Vila Cacimba, na África que, no entanto, não é uma localização geográfica, mas um continente que se situa entre o autor e o leitor. Gostaria de tê-lo escrito pessoalmente.

6 _ O melhor final de livro que você leu e gostaria de tê-lo escrito pessoalmente?

EA _ O livro acima. Ao final da narrativa Sinódio não sai da casa-ventre, e pelo contrário, entra ainda mais. Há livros dos quais não saímos, e permanecem conosco pela vida.

7 – Seus autores – masculino e feminino favoritos? Por que?

EA _ Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Tão diferentes entre si, em uma e no outro encontro o sabor, a textura, a presença do silêncio e a ausência do tempo. Nas entrelinhas de CL e GR, a voz humana primordial ressoa como uma trovoada de fim ou princípio de mundo.

8 - A quem está devendo uma dedicatória?

EA _ Ao meu avô Moisés, com quem sonhava que seria uma escritora.

9 – Um livro, conto, relato, que fale de São Paulo e que você recomendaria?

EA_ Cão Chupando Manga, de Joyce Cavalcante: um nordestino chega para conquistar a cidade de São Paulo, personagem mítico que cruza conosco nas ruas da cidade, e nos revela que as epopéias estão vivas e presentes entre nós.

10 – A quem você daria o prêmio Nobel de Literatura?

EA_ Para uma mulher, para uma latina, por que não para uma brasileira? Nélida Piñon, Ligia Fagundes Telles. Gostaria que Rachel de Queiroz tivesse ganhado o Nobel quando ainda vivia.


Eliane Accioly é escritora, psicanalista e doutora em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autora de Corpo-de-sonho arte e psicanálise e História de Ventania entre outros livros e artigos. Para Accioly, entre os ofícios de escritora, terapeuta e pesquisadora as fronteiras são permeáveis e vivas, um campo se nutre e é afetado pelos outros todo o tempo.
Entrevista com Eliane Accioly publicada na RSVP, Edição n° 795, com a qual Joyce Cavalcante, conseguiu uma parceria e um espaço para escritoras da REBRA.

O artista é um pensador, e precisa se transcender, ir além dele mesmo, encontrar interlocutores. Assim, espaços de publicações são fundamentais.


1 – O que significa a literatura para você?

EA _ Para mim a literatura significa vida, fonte do conhecimento (inesgotável!) da complexidade de ser humana. O caminho do escritor é em direção ao outro, o leitor. E paradoxalmente, se dirigindo ao outro, o escritor realiza a jornada do auto-conhecimento, que só termina com sua morte. A aldeia de um poeta me conduz à minha aldeia natal, mesmo que a dele esteja na Rússia - Almas Mortas, de Gogol, por exemplo, e a minha no Triângulo Mineiro. A aldeia natal do escritor, no entanto, não é uma localização geográfica, mas seu mundo interior em permanente construção.

2 – Qual foi o primeiro livro que você lembra de ter lido? Quem lhe deu este livro, onde você o pegou?

EA _ Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Peguei o livro na biblioteca de meu pai. Antes de ler já escutava histórias. A oralidade é a língua materna, o arcaico onde começam tanto o escritor como o leitor, aquilo que alimenta a escritura, a leitura. A pátria de um escritor é sua língua materna, e a literatura, a língua materna que se faz universal, e está aí para todos. Acho que antes de ler meu primeiro livro já havia sido capturada pela literatura.

3 – Qual a grande meta para essa vida e o que você espera de sua obra?

EA _ Minha meta é estar na arte e na vida sem garantias, em estado de risco, trocando referências pré-existentes pelo que não sei, nem está pronto. Durante o processo criativo os termos “escritor” e “obra” se distinguem, porém não se separam. Para o escritor as referências brotam no processo de sua escrita. O processo criativo foi o tema de minha pesquisa de doutorado. E continua o tema de minha vida. O que espero de minha obra é que ela possa revelar aos leitores que precisamos da ausência de garantias na arte e na vida, para que cada um de nós possa criar sua parcela de mundo.

4 – Quais os três melhores livros que você leu, e qual levaria para uma ilha deserta?

EA _ Levaria Água Viva, de Clarice Lispector, onde o estado de risco e a ausência de garantias estão vivos, no tempo-instante da duração. Para Clarice “sobrenatural é a vida”. Levaria Mil e Uma Noites porque ainda hoje, aquelas histórias criam o meu imaginário. E Grandes Sertões, Veredas de João Guimarães Rosa, porque me coloca na dimensão do sagrado.

5 – O melhor início de livro que leu e gostaria de tê-lo escrito pessoalmente?

EA _ Li tantos livros de ótimos inícios! Cito um autor contemporâneo, Mia Couto: em Venenos de Deus, remédios do Diabo o médico Sinódio “encolhe-se para vencer a porta, com os respeitos de quem estivesse penetrando num ventre”. Nesse livro o leitor penetra com Sinódio em uma casa-ventre, em Vila Cacimba, na África que, no entanto, não é uma localização geográfica, mas um continente que se situa entre o autor e o leitor. Gostaria de tê-lo escrito pessoalmente.

6 _ O melhor final de livro que você leu e gostaria de tê-lo escrito pessoalmente?

EA _ O livro acima. Ao final da narrativa Sinódio não sai da casa-ventre, e pelo contrário, entra ainda mais. Há livros dos quais não saímos, e permanecem conosco pela vida.

7 – Seus autores – masculino e feminino favoritos? Por que?

EA _ Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Tão diferentes entre si, em uma e no outro encontro o sabor, a textura, a presença do silêncio e a ausência do tempo. Nas entrelinhas de CL e GR, a voz humana primordial ressoa como uma trovoada de fim ou princípio de mundo.

8 - A quem está devendo uma dedicatória?

EA _ Ao meu avô Moisés, com quem sonhava que seria uma escritora.

9 – Um livro, conto, relato, que fale de São Paulo e que você recomendaria?

EA_ Cão Chupando Manga, de Joyce Cavalcante: um nordestino chega para conquistar a cidade de São Paulo, personagem mítico que cruza conosco nas ruas da cidade, e nos revela que as epopéias estão vivas e presentes entre nós.

10 – A quem você daria o prêmio Nobel de Literatura?

EA_ Para uma mulher, para uma latina, por que não para uma brasileira? Nélida Piñon, Ligia Fagundes Telles. Gostaria que Rachel de Queiroz tivesse ganhado o Nobel quando ainda vivia.

Eliane Accioly é escritora, psicanalista e doutora em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, autora de Corpo-de-sonho arte e psicanálise e História de Ventania entre outros livros e artigos. Para Accioly, entre os ofícios de escritora, terapeuta e pesquisadora as fronteiras são permeáveis e vivas, um campo se nutre e é afetado pelos outros todo o tempo.


sábado, 21 de fevereiro de 2009



No salão de beleza situado na casa onde, outrora, morou dona Solange, na Rua Brasil Accioly, Araguari, Minas Gerais, mulheres das mais variadas idades se aprontam para o casamento. A varanda da casa (borda leitosa entre o dentro, o fora, e o tempo) me acolhe. A sala cheia de ruídos, cheiros, cores, secadores, rolar de escovas e risos, cabelos secos e molhados, calor dos corpos no rosa difuso das paredes, guarda o presente.
Lá longe, a linha curva e infinita que na recém noite se estreita e abraça a cidade, torna-se a passarela onde desfilam os avós, o pai, tios, alguns primos, dona Solange e o doutor Belizário, o irmão Brasil Junior, os amigos Álvaro Sérgio e Janice _ silêncios doces e pungentes.
Escorridos e crespos os instantes me enlaçam. Sou apenas um pontilhado azul escuro _ aqui, e naquele horizonte.
Na sala adivinho a noiva, as primas, as filhas, as netas.
Em minha ausência a vida segue barulhenta, embora, como os que se foram, sem ser aqui apenas, e estando lá, eu seja parte.

REBRA

Sou membro efetiva da REBRA (Rede de Escritoras Brasileiras), organização não governamental, sem fins lucrativos, que pretende reunir em associação o maior número de escritoras de nosso país que tenham compromisso público com a literatura, a cultura e a justiça social, tendo como sócias honorárias grandes escritoras como Nelida Piñon e Lygia Faguntes Telles.

A idéia pioneira foi da fundadora e presidente da REBRA, Joyce Cavalccante que, além de excelente contadora de histórias – escreveu entre outros, o romance “O Cão Chupando Manga”. Joyce nos leva para o mundo. Temos representantes da REBRA em países europeus, como Noruega, Itália, Portugal, Espanha, Inglaterra, outros, nos Estados Unidos, na América Latina, uma vasta lista.

Através da REBRA faço parte da RELAT, Rede de Escritoras Latino Americanas. Estive no México, no XI° Encuentro de Mujeres Poetas en el Pais de las Nubes, em 2003, como representante da REBRA e do Brasil. Participei de diversas antologias, que levam escritoras brasileiras a outros países. Faço parte de dois programas de intercâmbio com a Universidade de Miame. O primeiro com a professora Dra. Paula Gandara, e agora ingresso no programa do professor Dr. Steven F. Butterman. São intercâmbios entre escritoras brasileiras, e estudantes americanas, que cursam na universidade a cadeira de Literatura Feminina Brasileira.

Nesses projetos uma estudante americana e uma escritora brasileira se correspondem via net. O objetivo do intercâmbio é levar informações acerca de questões raciais, de diferenças sociais, da posição da mulher no Brasil, das diferenças entre classes e oportunidades, das gerações e gêneros, e outras, que ocorrem aqui, no Brasil (e com certeza, em todo o mundo). Um olhar sobre o Brasil, e como não podia deixar de ser, um olhar da escritora sobre o país (e a vida) de sua correspondente.

Através da REBRA encontrei Kyanja Lee e James McSill, intersessores queridos, que muito têm contribuído para meu crescimento. Os dois estão vinculados a este blog. São interlocutores preciosos para quem quiser se aprimorar na arte de tornar seu texto publicável. Tanto Kyanja como James me ajudam a sair do escrever para mim mesma, para escrever para um outro. Pensar: para quem escrevo? Qual será meu leitor? Trata-se de uma descoberta fantástica! (Entrem em contato com eles, e descobrirão por vocês.)

Estar na REBRA é uma maneira de andar em bando, de não ficar sozinha. Na REBRA ninguém fica quieta num canto, participa ativamente, é convocada a cada instante.

E por falar nisto, estamos comemorando 10 anos de existência.

Viva a REBRA!!!!!!!!!!!!

Darei notícias de nosso aniversário no blog. Mil planos que serão postos em prática.

A REBRA fala e faz.

Parabéns, Joyce Cavalcante, parabéns a todas nós que estamos na REBRA.





narciso mergulha n’umbigo
e insiste

: espelho espelho deus
existe alguém no mundo?

Poema de Líria Porto

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009



In: Poemas na Arena
Eliane accioly

Aracnídia

para Maria José Giglio

1

caminha entre as barras

de um sonho, universo

úmido e rarefeito

duas habitam seu corpo:

Ariadne, a fiandeira,

e a Viúva Negra, amante

do Minotauro

a Seda e o Veneno

fiam e desfiam os labirintos

da senhora dos sentidos ciganos

com os nômades, descansa

na cidade de Ventania,

múltipla e si-mesma

2

esquálidos heróis

pálidas donzelas

poetas músicos ladrões

alguns dos que a encorpam

tropa trota estradas

tropeiros dos trens noturnos

a vida trama tramóias

quando certezas se traça

3

atrás de histórias sem fim

ata-me Aracnídea

ânsias de matá-la

e ela se rindo de mim

4

a Quadrilha Aracnídia sitia Àssombradado

e outra horda encontra:

Biutes, Uilcon Pereira, Jeane Lobo

Dóris e Eliane Accioly, Olga do Lago,

Miguel Anjo, Semíramis

Silvana Cappanari, Padre Nilo,

Evaristo, Evarista, Tânia Diniz,

Alicia Mello, Siloé Neves,

Rafael Tassinari, Ceres,

Luz e Fé, Silvia Anspach,

Helena Armond, Pascoal Motta,

Doralina Carvalho Rodrigues, Daniel,

Hugo e Efigênia

5

cavalgam zebras roubadas,

abrem caixas de Pandora,

quebram Poemas na Arena

se ajuntem delirantes!

em hordas falanges

quadrilhas e bandos

alcatéias miríades enxames

que é de uma só andorinha?

e gente humana desgarrada?

assunta Aracnídia



O autor das fotos aqui publicadas, Rogério Albuquerque,
email rogerioalbuca@uol.com.br
Há um link com seu site.

Natally M. Malschitzky:
email natally_namema@yahoo.com.br



tarsilas
vacas
rabo-de-pincel

(Inspiradas nas fazendas bucólicas de Tarsila do Amaral)

na sacola ecológica,
um quixote
lança em riste:
eia, tarsilas, eia!

Os atravessadores chamados quixotes, se sentem obrigados a tomar conta dos bandos de tarsilas, carolinas, outros. Mas, os bandos não se sentem "mandados". Os quixotes acreditam que mandam, só acreditam... *

*
Entrem em Travessia, uma ilha no arquipélogo...

Boa sorte!
Mulheres Emergentes disse...

oi amada Lili!!!
vc está, cada dia, mais surpreendente, amiga!
Que trabalhos lindos!
Super parabéns,
beijos,
Tânia Diniz - bh-mg

"Continuamente tenho me indagado sobre o pintar.
O que pintar quer dizer?
Em que sentido a pintura é uma experiência?
Em que sentido a experiência de olhar,
a elaboração dessa percepção,
nos aproxima da essência do homem?"

In: Fragmentos de um dia extenso
Sergio Fingermann

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

bananeira
no branco
orla
e infinito

(Poema e pintura de Accioly7)



(acrílico/08)

atravessadores-samurais _ em bando * *(member of a Japanese cast)




o infnito,
bruma de rio,
invade pastos e bananais

e o olhar devastado da poeta
avista quatro samurais


atravessadores da série O Beijo*
_________________
* crossovers from the serie The Kiss

Um atravessador cabide-pangarolé

Conversas com James McSill

Eliane Accioly - Dez 2008


Ando conversando com a Eliane Accioly.
A Eliane me submeteu um de seus contos para que eu desse a minha opinião.
Ela, como eu, reagimos a chibatadas críticas com um ímpeto de criatividade.
Aconteceu assim...

Parágrafo original:

Até que a vida nos separe?

De: Eliane Accioly
eliane@acciolyfonseca.psc.br

Transarei loucamente com a desconhecida e nunca mais a verei. Só então estarei a salvo da fissura que me devora, entidade furiosa serpenteando em mim, prometendo-me liberdade se cumprido o ritual. Apesar de meus talentos com o sexo oposto, não consigo. Atrair estranhas é fácil, o problema? Falho nessas situações, é mais forte que eu. Se as reuniões ganham seqüência - conversas, refeições compartilhadas, troca de livros, compareço firme e correto. Ganho uma amiga que eventualmente se apaixona e perco o mistério, concorda? De onde tirei tal maluquice? Quem sabe do jardim de mulheres proibidas que rodearam meu amanhecer? Lindas, macias ao toque, cheirando a pomar e romã - irmãs, primas, tias, madrinhas. [...]

Quando li, permaneci sem opinar...
Pedi que ela me enviasse o argumento.

Argumento :

Olá Jamie, [...]

Este conto é a respeito de um homem que tem uma fantasia compulsiva: transar com uma desconhecida, e nunca mais vê-la. O mesmo homem também tem a esperança de que, caso isso aconteça, ele possa se ver livre da compulsão que o eletriza e fascina, mas o consome de tal forma, que prejudica sua vida prática, seus projetos afetivos, de trabalho, e os de ter uma família.

Achei o argumento fascinante, mas o texto acima, que ela me enviara, não fazia jus à idéia maravilhosa.
Foi uma chibatada fácil! Confessei para a Elaine que não havia entendido o texto inicial. A Eliane é poeta e o texto mostrava uma prosa poética, a meu ver, desnecessária, pois obscurecia o argumento de boa qualidade.

Trocamos mais e-mails em que lhe disse que, se quisesse que o texto tivesse apelo mais universal, deveria re-rescrevê-lo como se falasse com UMA pessoa, uma apenas, da idade, sexo e níveis cultural e social para quem quisesse dirigir a escrita.

Esta é a primeira pregunta que todo escritor deve se fazer: "Para quem estou escrevendo?" Se a resposta for "para mim mesmo", o que quer que esteja escrevendo passa a ser um diário, diários raramente têm valor comercial, exetuando-se, claro, diários de celebridades e afins, destes a gente sabe, até um pedaço de roupa suja vende. A resposta deveria ser: "estou escrevendo um conto (romance, etc) para..." e descrever o leitor (?imaginário) em pormenores. Quando temos um leitor específico em mente, ajuda-nos a focar o texto, da uma voz ao contador da estória. Interessante é que jamais contaríamos "A Gata Borralheira" para uma senhora, avó, física nuclear aposentada, seis livros publicados do mesmo jeito que contaríamos para uma menina de cinco anos, no pre-primário, bailarina. E quantos escritores conheço que "escrevem para si mesmos"...
Por que somos tão egoístas na hora de escrever?
O "fazer bonito" é garantir que a nossa audiência nos entende...

E foi o que a Eliane fez!
Contou o conto para mim.
E olha o resultado!
Quem tem talento como a Eliane, aceita o desafio e supera todas as expectativas.


Até que a vida nos separe

Conheci-a em um bar onde homens e mulheres solitários vão se distrair da angústia da própria solidão. Em Virgínia havia o mistério que me atrai nas mulheres. “Pisca para mim”?! Perguntei-me emocionado e curioso, prisioneiro daqueles olhos semicerrados, dos lábios de meio sorriso esboçando um chamado sem palavras: “Venha!”
Obedeci prontamente, paguei a conta e, ainda sem nos falarmos, a puxei pela mão, saímos juntos, entramos no hotel do outro lado da rua, pedi um quarto.
“Enfim sós”
Descompassados de desejo despimos um ao outro, frenéticos. Estava certo que naquela mulher escondia-se a desconhecida com a qual ansiava transar loucamente. Após a relação amorosa eu a deixaria para nunca mais revê-la. Precisava deste ritual para me curar. Se conseguisse penetrar na linda e misteriosa mulher estaria livre para viver minha vida, liberto do delírio que me acompanha desde a adolescência, “fissura que me atormenta e me rouba o sossego, atrapalha meu trabalho, me impede de formar uma família”. Possuir Virgínia, a desconhecida, apagaria o delírio, brasas na água, tinha certeza! [...]

Parabéns!

Se não concordar comigo, me escreve.
james.mcsill@gmail.com

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

atravessadoras _ um grupo de palomas
(para Paloma, uma pastora alemã) *

* crossovers _ palomas´group
(to Paloma _ an unbelievable female-dog)


Dança comigo!
atravessadora anônima *
____________________
* Dance with me!
nameless crossover

Ainda não tenho nome. Aceito sugestões.
(atravessadora anônima) *

* __________________
I still don´t have a name. I accept suggestions.
Pertenço à família das palomas.*
* I`m among to the palomas, I belong to them.

um quixote

(homenagem a Cervantes)

casa de espelhos

Um atravessador da família dos cabides-pangarolés.

(Homenagem ao Hélio Outicica)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

PRESÉPIO
Atravessadores são seres em coletividade, andam em bandos, matilhas, tribos, São quixotes, carolinas, tarsilas, cabides-pangarolés, músicos, caixas de som.
carolinas
OS ATRAVESSADORES


Travessia, no arquipélago Fernando de Noronha, uma ilha tão pequena que poderia ser engolida por um tubarão, é a terra dos atravessadores, seres cujos corpos são feitos de fios os mais variados: alumínio, plástico, novelo de lã, arame, cobre, fios afetivos, e ainda linhas de desenhos.
Os atravessadores se manifestam nas mais diferentes formas. Podem aparecer como humanos, animais, anjos, demônios, ou como os Ets de Varginha. Seres que pensam, sentem, constroem mitos e filosofias, são poetas, e têm olho de recém nascido. O mundo que os cerca está pronto há milênios, mas em cada olhar, para eles, um mundo novo se revela.
Os Atravessadores surgiram de desenhos, artesanias e outras artes plásticas. As palavras e textos que os contam vieram depois.


_____________________*


THE CROSSOVERS

Travessia, an isle in Fernando de Noronha Archipelago, and so small it could be swallowed by a shark, is the land of Crossovers, beings whose bodies are made of threads of many different kinds: aluminum, plastic, yarns of wool, wire, copper, emotion threads, and also drawing lines.
Crossovers manifest themselves in several ways. They can appear as humans, animals, angels, demons, or as ETs from Varginha. Those beings think, feel, construct myths and philosophies; they’re poets and have newborn eyes. The world around them has been ready for thousands of years, but at each glance they take, a new world is revealed.
Crossovers are characters from drawings, crafts and art. Words and texts came afterwards.


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LOS ATRAVESSADORES


Travessía, en el archipiélogo Fernando de Noronha, una isla tan pequeña que podría ser tragada por un tiburón, es la tierra de los atravessadores, seres cujos cuerpos son de hijos de los mas variados: alumínio, plástico, ovillo de lana, cobre, hilos afectivos, y asta lineas de dibujos.
Los atravessadores se manifiestan de las formas más diferentes: Pueden aparecer como humanos, animales, ángeles, demonios, o como los ETs de Varginha.
Essos seres piensan, sienten, contruyen mitos y filosofias, son poetas y tienen ojos de recién nacido. El mundo que los rodea está listo hace mulenios, pero en cada mirada, para ellos un mundo nuevo se reviela.
Los atravessadores surgiron primero en dibujos, artesanatos y otras artes plásticas. Las palavras y textos son posteriores.